Por Jones Figueirêdo Alves
Recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça, dia 3 de março passado, envolveu profunda análise da figura jurídica do "namoro qualificado", no efeito de sua necessária distinção em face da união estável. (STJ – 3ª Turma, REsp. nº 1.454,643-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJe. 10.03.2015).
Afirmou-se que nesta última hipótese, o propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial não consubstancia mera proclamação, para o futuro, apresentando-se mais abrangente, por se afigurar presente durante toda a convivência, "a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros'. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.
A Corte de Justiça entendeu que o comportamento de namorados não hesitarem em morar juntos revela-se usual nos tempos atuais, "impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social". Entretanto, não é qualquer relação amorosa que caracteriza a união estável.
A doutrina tem enfrentado bem o tema, chamada a intervir na reportada decisão pretoriana. Para a união estável, o que diferencia o "namoro qualificado", faz-se "absolutamente necessário que entre os conviventes, emoldurando sua relação de afeto, haja esse elemento espiritual, essa "affectio maritalis", a deliberação, a vontade, a determinação, o propósito, enfim, o compromisso pessoal e mútuo de constituir família" (Zeno Veloso).
Com efeito, anota-se que "no namoro qualificado, por outro lado, embora possa existir um objetivo futuro de constituir família, não há ainda essa comunhão de vida. Apesar de se estabelecer uma convivência amorosa pública, contínua e duradoura, um dos namorados, ou os dois, ainda preserva sua vida pessoal e sua liberdade. Os seus interesses particulares não se confundem no presente, e a assistência moral e material recíproca não é totalmente irrestrita". (Maluf, Carlos Alberto Dabus; Maluf, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de Direito de Família. 2013. Editora Saraiva. p. 371-374).
A jurisprudência, a seu turno, já tem enfrentado a distinção, sob o axioma de que "não se pode compreender como entidade familiar uma relação em que não se denota posse do estado de casado, qualquer comunhão de esforços, solidariedade, lealdade (conceito que abrange "franqueza, consideração, sinceridade, informação e, sem dúvida, fidelidade" (STJ - REsp 1157273/RN, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 07/06/2010).
De fato. A distinção, por certo, haverá de centrar-se, sempre e exclusivamente, na valoração jurídica dos fatos, a tanto que tem sido entendido, também, que "tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício)".
No caso agora julgado, a questão envolveu um casal que optou pelo casamento, após período de relacionamento de namoro, mantido ainda que sob a mesma residência, deixando de converter a suposta união estável em casamento (art. 1.726, Código Civil), sob o regime de comunhão parcial de bens (artigo 1.658, CC). Assim, o ato encerraria "manifestação de vontade sobre os bens que cada um adquiriu antes do casamento" (art. 1.659, I, CC), nada podendo mais ser discutido a respeito de eventual meação. Demais disso, anotou-se que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente.No ponto, controvérsias a mais são indicadas à hipótese, a saber:
(i) se o casamento celebrado posteriormente (sem converter a união estável em casamento), implicaria, inexoravelmente, em desconfigurar uma eventual união estável anterior, mercê da simples falta da conversão de uma por outra entidade famíliar?
(ii) operado o divórcio do casal, haveria ou não espaço à discussão quanto aos bens adquiridos antes do matrimônio, sob a égide da então existência de união estável? O julgado entendeu que não, porquanto a meação do bem adquirido em momento anterior ao casamento somente poderia ser viabilizada caso houvesse a eleição do regime da comunhão de bens ou a conversão da suposta união estável em casamento, providências não levadas a efeito, de modo livre e consciente, pelas partes, o que caracterizaria, inclusive, renúncia de direito.
Fica aqui a boa nota. O namoro qualificado não configura nenhuma entidade familiar. Acaso esta exista, pela união estável, a sua formalização deverá, sim, exigir, a um só tempo, converte-la em casamento, sem divisores patrimoniais. O propósito de constituir família é realidade instante, palpitante de vida a dois.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família.
Fonte: TJ-PE