É praticamente consenso entre os autores de Direito das Sucessões que o cônjuge casado sob o regime da separação convencional de bens concorre com os descendentes do autor da herança. A afirmação é do advogado Mario Luiz Delgado, presidente da Comissão Nacional de Assuntos Legislativos do IBDFAM. O entendimento foi ratificado pelo Superior Tribunal de Justiça, na última semana, ao rejeitar recurso contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que havia reconhecido o direito de uma viúva à herança do falecido. “A decisão está correta e confirma o entendimento já adotado pelo STJ em precedentes anteriores, da segunda metade de 2014, reconciliando a jurisprudência com a doutrina majoritária sobre a matéria”, disse.
Delgado explica que trata-se de princípio norteador do direito sucessório concorrencial do cônjuge, qual seja o de que só existirá direito de concorrência com os descendentes onde não houver meação. Onde houver meação, não deve haver concorrência. “É por isso que no regime de comunhão universal o cônjuge não concorre. Ora, sendo o regime da separação convencional marcado, exatamente, pela inexistência de bens comuns, crucial que nesse regime se assegure a participação do cônjuge na herança, em concorrência com os descendentes”, ressalta.
No recurso ao STJ, uma filha do falecido sustentou que a viúva não seria herdeira necessária. O ministro João Otávio de Noronha, cujo entendimento foi acompanhado pela maioria da seção, explicou que o legislador construiu sistemas distintos para a partilha de bens por morte e para a separação em vida por divórcio.
Para o advogado, a decisão é importante porque consolida o entendimento do STJ sobre o tema, “ao mesmo tempo em que espanta a insegurança jurídica instaurada a partir de alguns precedentes isolados do próprio STJ que, no passado, afastaram da sucessão o cônjuge casado sob o regime de separação convencional”. Segundo ele, a insegurança jurídica era grande, porque, de um lado o Código Civil estabelecia, “com clareza solar”, uma determinação; de outro, o STJ decidia em sentido diametralmente oposto, enquanto que os Tribunais estaduais ora decidiam de um jeito, ora de outro. “A doutrina assistia a tudo isso atônita. E os advogados não sabiam mais como orientar os seus clientes em temas de planejamento sucessório”, reflete.
Voto vencido- O ministro Moura Ribeiro, que ficou vencido, entendeu que “não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte”.
O entendimento está equivocado, de acordo com Mario Luiz Delgado, pois parte de premissa falsa de que, ao atribuir direito sucessório ao cônjuge casado sob o regime da separação convencional de bens, teria o legislador invadido a autonomia privada e abalado um dos pilares do regime de separação, por permitir a comunicação post mortem do patrimônio. “Ora, o cônjuge, mesmo casado sob tal regime, na vigência do Código anterior, já herdava a totalidade da herança, bastando que não houvesse descendentes ou ascendentes. Esta regra foi mantida. A novidade foi apenas a possibilidade de concorrência do cônjuge com os descendentes e ascendentes. Não se trata de comunicação de patrimônio, não se podendo confundir regime de bens com direito sucessório. Com a morte, extinguiu-se o regime, e o que está em discussão é o direito do cônjuge a uma pequena parte da herança, que, inclusive, pode ser bastante reduzida, bastando que o de cujus tivesse vários filhos e houvesse disposto em testamento toda a metade disponível”.
Delgado destaca que não se pode confundir regime de bens com herança. Segundo ele, o regime de bens é eleito para vigorar durante o casamento. Dissolvido o vínculo matrimonial pelo divórcio ou pela morte, far-se-á a partilha dos bens comuns, com apuração da meação, nos regimes de comunicação de bens. “Nos regimes de separação, nada haverá a partilhar. O direito hereditário do cônjuge nada tem a ver com o regime de bens. Qualquer que seja o regime, o cônjuge será sempre herdeiro necessário, a teor do artigo 1.845. Qualquer que seja o regime, o cônjuge sempre concorrerá com os ascendentes do autor da herança. O regime de bens só vai influir na concorrência do cônjuge com os descendentes, e isso por uma opção do legislador. Nada mais do que isso. Uma coisa é uma coisa (regime de bens), outra coisa é outra coisa (herança)”.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM com informações do STJ