Em Portugal, juízes vão poder atribuir responsabilidades de pais a madrastas ou padrastos sempre que a mãe ou o pai de uma criança esteja impedido de tomar conta do menor, por exemplo, quando os pais sejam declarados incapazes ou estejam desaparecidos, mortos ou presos. A nova lei foi aprovada em julho e acaba sendo uma resposta aos projetos desaprovados de coadoção, uma vez que a decisão apenas se refere a situações de casamento ou união de fato, sem especificar se são entre pessoas de sexos diferentes.
Para ser atribuída a responsabilidade parental por decisão judicial a uma madrasta ou um padrasto, é preciso que estes estejam casados ou unidos de fato com o pai ou a mãe da criança, que haja vontade das partes e um requerimento entregue no tribunal. O caso ainda será analisado pelos tribunais de Família e Menores.
Magistrados criticaram a falta de clareza na lei, que, apesar de não abranger a filiação, não define o que se considera um impedimento. Eles temem que possam surgir casos em que vários companheiros reclamem a responsabilidade parental de uma mesma criança.
De acordo com a advogada Melissa Telles Barufi, presidente interina da Comissão da Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), na justificativa do projeto de lei é dito que: ‘O superior interesse da criança é o critério e fundamento da atribuição das responsabilidades parentais, em primeira linha, aos progenitores, mas também àqueles que no dia a dia com ela constroem laços de afetividade, a protegem e contribuem para o seu crescimento e desenvolvimento sãos e normais, nos planos físico, intelectual, moral e social. Na ausência de um progenitor, o cônjuge ou companheiro do outro progenitor surge como figura de referência para o menor, coabita e desenvolve profundos laços de afetividade’. Com isso, segundo ela, se evidencia que o projeto de lei acaba por revelar semelhanças, ainda que timidamente, com a multiparentalidade.
Melissa Telles Barufi afirma que, no Brasil, a multiparentalidade já é reconhecida, e, inclusive, já está recebendo do Poder Judiciário os devidos efeitos jurídicos. “Os companheiros e cônjuges dos genitores, muitas vezes, possuem o convívio direto com os filhos desses, e acabam criando forte vínculo afetivo com essas crianças e adolescentes. O convívio contínuo acaba por evidenciar que os padrastos e madrastas são muito mais aptos a serem cuidadores desses filhos do que um parente sanguíneo distante dos genitores. A atribuição de responsabilidade pelo cuidado dessas crianças aos padrastos e madrastas é uma extensão dos deveres oriundos do poder familiar àqueles que estão, no momento, mais aptos e capazes a exercer tais atos”, disse.
Para Melissa Barufi, a criança deve ser prioridade e precisa ser protegida integralmente. “Na hipótese de seus responsáveis legais estiverem impedidos de exercer os seus papéis para com seus filhos, a atribuição de responsabilidade parental aos companheiros/cônjuges desses genitores se mostra uma medida protetiva às crianças e adolescentes, caso, é claro, possuam vínculos afetivos consolidados. Assim, se mostra mais eficaz atribuir a responsabilidade por essas crianças a quem já exerce um papel paterno/materno. E o fato de não restringir o sexo do companheiro ou cônjuge mostra uma decisão acertada, a fim de reconhecer os direitos e deveres dos casais homoafetivos em relação aos seus filhos – ainda que não biológicos, mas afetivos – eis que já se sabe que o vínculo afetivo se sobrepõe aos vínculos biológicos e registrais”, argumenta.
A advogada também explica que por ser uma questão nova, naturalmente haverá a necessidade de um período de adaptação à nova lei, pois segundo ela a sociedade provoca uma mudança, mas a mesma insiste em não reconhecer os efeitos dessa mudança. “Não podemos negar que as famílias são constituídas e reconstituídas de várias formas, e assim deve ser reconhecido os novos vínculos e seus efeitos no mundo jurídico. No projeto de lei há somente atribuição de responsabilidade, não alterando a filiação ou atribuindo efeitos sucessórios; dessa forma, há uma visível desigualdade entre a filiação afetiva e filiação biológico/registral. Ainda, a lei não se mostrou clara no que consiste esta responsabilidade que será assumida pela madrasta/padrasto, e isso pode vir a causar conflitos familiares quando da efetivação da lei”, expõe.
Melissa esclarece ainda que como mencionado anteriormente, o Brasil está avançado no reconhecimento da sociafetividade e dos múltiplos vínculos da família, com seus efeitos jurídicos. “Já existem algumas decisões determinando a adequação das certidões de nascimento das crianças para registrarem aquilo que é a realidade da vida daquelas famílias com múltiplos vínculos parentais e exercício conjunto dos direitos e deveres em relação a seus filhos – biológicos, registrais ou afetivos. Porém, vale registrar que apesar dos passos dados em relação à multiparentalidade, aqui ainda estamos implantando a cultura da igualdade parental entre os genitores”, completa.
Fonte: Assessoria de Comunicação IBDFAM com informações Portal DN