Cartórios: nem tudo que reluz é ouro
Ronaldo Claret de Moraes - Juiz de Direito em Belo Horizonte, titular da 5ª Vara de Feitos da Fazenda Pública Municipal
Criou-se a imagem de que os cartórios extrajudiciais (Registro Civil das Pessoas Naturais, Tabelionato de Notas, Protesto de Títulos, Registro de Imóveis, Registro Civil das Pessoas Jurídicas e Registro de Títulos e Documentos) são geradores de rendimentos elevados para os seus titulares, mas essa não é a realidade para a grande maioria dos cartórios de Minas Gerais.
Há contradição entre os cartórios das cidades maiores, que não são tantas aqui em Minas, os quais de fato rendem valores bem polpudos para os seus titulares, e os dos lugares pequenos, que são muitos neste estado, e rendem pouquíssimo. Existem serventias nas cidades médias e grandes cuja receita com os emolumentos (retribuição pelo serviço prestado) pode ser considerada grande para o padrão das pessoas em geral. Entretanto, para que possam prestar um serviço eficiente e adequado, os tabeliães e registradores têm gastos significativos com funcionários (alguns cartórios têm mais de 50 empregados), encargos sociais, equipamentos, instalações e muitas outras despesas.
Minas Gerais tem mais de 3 mil cartórios, alguns deles funcionando em sede de fazenda. Mais da metade deles é deficitária e existe porque é subsidiada pelos demais, que são obrigados por lei a contribuir com parte de seus emolumentos (5,66%) para que os pequenos continuem funcionando. O retrato dessa situação pode ser visto pelo concurso público de provas e títulos que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais está realizando – Edital 2/2007 – com a finalidade de escolher titulares para 663 cartórios, ao qual cerca de 10 mil candidatos se inscreveram.
Recentemente, foram chamados os candidatos aprovados e classificados nas primeiras 663 colocações para fazer a escolha da serventia (cartório), segundo a ordem de classificação no concurso, sendo que cada candidato poderia escolher um cartório. E qual foi o resultado desse certame? Somente 232 candidatos entre aqueles 663 quiseram escolher. Os demais 431 optaram por recusar a serventia disponível para escolha, ou sequer comparecerem ao ato de escolha. E quais foram as serventias recusadas? Exatamente aquelas deficitárias.
Até o advento da Constituição Federal de 1988, embora existissem leis tratando da questão, o critério de escolha dos titulares dos cartórios extrajudiciais não era muito claro, às vezes por concursos realizados sem muita publicidade e/ou transparência, possibilitando a indicação política e a continuidade da prestação do serviço pelos substitutos, que normalmente eram parentes indicados pelo titular, numa espécie de capitania hereditária.
Atualmente, a situação é outra, o ingresso na titularidade do cartório só se dá por concurso público de provas e títulos, realizado pelo TJ, com a participação de representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ministério Público, de tabelião e de registrador. Vagando uma serventia – o que pode ocorrer por morte, aposentadoria facultativa ou por invalidez, renúncia ou perda da delegação do titular –, haverá uma substituição provisória até que se faça concurso público para escolha de um novo tabelião ou registrador, não se permitindo que ela fique vaga, sem abertura de concurso de promoção ou remoção, por mais de seis meses.
A importância dos cartórios no Brasil decorre do fato de serem os serviços notariais e registrais destinados a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos negócios jurídicos. Por exemplo, por meio de uma escritura ou de uma procuração lavrada no tabelionato de notas a pessoa tem a segurança de que aquele ato é válido não só em relação às pessoas que celebraram o negócio como em relação a terceiros; sem que a escritura ou o contrato de compra e venda seja registrado no registro de imóveis, o comprador não é considerado proprietário do lote, da casa ou do apartamento que o vendedor prometeu vender-lhe, pois de acordo com o Código Civil (artigo 1.245) só se transfere entre vivos a propriedade imóvel pelo registro, daí aquele ditado: quem não registra não é dono.
Por fim, não se pode deixar de mencionar que os cartórios estão sujeitos à fiscalização do Poder Judiciário, ao qual foi confirmada essa atribuição pela Constituição de 1988, conferindo-lhe poderes para orientar, fiscalizar e penalizar os tabeliães e oficiais de registro, sendo que estes podem sofrer sanções administrativas que vão de simples repreensão até a perda da delegação, sem prejuízo da responsabilidade civil (obrigação de indenizar por danos que o titular ou seu empregado causar ao usuário em decorrência do serviço cartorário prestado) e criminal.
Fonte: Jornal "Estado de Minas"