Os avós podem figurar como parte em ação que busca anular o reconhecimento de paternidade. Eles suspeitam que seu filho, falecido, foi induzido a erro ao declarar-se pai. A decisão é da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Anteriormente, o casal foi considerado parte ilegítima e, segundo a decisão, não poderia propor a ação.
Os pais sustentam que o filho, falecido, dois dias depois de reconhecer voluntariamente a paternidade do demandado, manifestou sua intenção de dar prosseguimento na busca da verdade biológica, referindo que pretendia realizar exame de DNA; houve vício de vontade por parte do filho ao reconhecer o apelado como filho; à exceção do demandado, o extinto não possui filhos, de modo que teria os autores como herdeiros, os quais inclusive foram citados no processo de inventário, entretanto posteriormente excluídos, ante a habilitação do recorrido naquele feito; com fundamento no art. 1.604 do Código Civil de 2002, são partes legítimas ativas para postular a anulação do reconhecimento voluntário de paternidade, ante a falsidade do registro, que se deu mediante uma indução em erro a que foi levado o falecido; considerando que se cuida de ação declaratória de inexistência de filiação, e não de negatória de paternidade, não apenas o pai é parte legítima ativa, mas também outros interessados.
Segundo Maria Rita Holanda, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família de Pernambuco (IBDFAM/PE), a questão envolve a interpretação dos dois dispositivos legais, que por sua vez, na referida decisão foram interpretados isoladamente e não sistematicamente. “De fato, o artigo 1.604 autoriza a qualquer pessoa a suscitar a nulidade do registro, que segundo o entendimento do STJ, distingue-se da negatória de paternidade, mas contudo, produzem os mesmos efeitos”, disse. Para ela, a hipótese decidida dessa forma imprescinde da prova do vício de consentimento do pai falecido por ocasião do registro, o que em tese autoriza a aplicação do artigo 1.604 do CCB/2002, “em espectro mais amplo na legitimidade, principalmente considerando a hipótese concreta julgada, onde resta demonstrado o interesse dos avós enquanto herdeiros do falecido”.
De acordo com a advogada, diferente seria se estivesse em discussão apenas a ausência do vínculo biológico, o que não foi o caso. “Portanto, a ação prevista no artigo 1.601 não se confunde com a ação prevista no artigo 1.604 do CCB. Art. 1.601: cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Art. 1.604: ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”.
Maria Rita Holanda entende que os deveres dos avós são sempre mais restritos e subsidiários com os netos do que com relação aos pais, seja em matéria de alimentos, seja em matéria de visitação e convivência, salvo na total ausência destes, quando são igualmente responsáveis, e portanto, da mesma forma em que poderiam deter o ônus, também deteriam o bônus. “Contudo, a decisão analisada não coloca em dúvida o papel dos avós enquanto tais, mas apenas reconhece o seu interesse e legitimidade para arguir erro cometido pelo falecido quando do reconhecimento da filiação, que vicia o ato, e o torna sujeito a nulidade”.
Fonte: IBDFAM