Foi divulgada recente decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal no sentido de que “aos atos extrajudiciais praticados pornotários e registradores serão estendidos os benefícios da gratuidade de justiça relacionados à efetividade do processo judicial”.
Tal decisão não traz entendimento novo, inclusive no âmbito decisório do Superior Tribunal de Justiça, e vem embasada no 3º, inciso II, da Lei 1.060/50.
No entanto, em face da ausência de previsão expressa na norma dos notários e registradores, não é incomum os mesmos criarem obstáculos para o cumprimento deste benefício legal para os cidadãos em suas respectivas serventias.
Tal situação jurídica, no entanto, obterá novo fôlego com a previsão normativa do artigo 98, parágrafo 1º, inciso IX do CPC-2015, Lei 13.105/2015:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
§ 1o A gratuidade da justiça compreende: […]
IX – os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.
Em face da expressa autorização normativa, não será necessária qualquer solicitação, autorização ou homologação dos notários e registradores para obtenção do benefício pelo cidadão, nem mesmo demonstração de requisitos junto às serventias extrajudiciais ou serviços de notas e de registro, bastando a apresentação da decisão que conceda o benefício no processo e a demonstração de que o ato notarial seja correlato ao mesmo.
Exemplos não faltam para aplicação da norma: averbação de sentença de divórcio, registro de formal de partilha proveniente de inventario judicial, entre muitos outros.
Poderia haver discussão acerca de suposta inconstitucionalidade da isenção destas taxas (emolumentos) por lei federal (arts. 145, II, 151, III, CF/88).
No entanto, em conformidade com as garantias do “acesso à justiça democrático” (artigo 5º, inciso XXXV, CF/88) e da “assistência jurídica integral e gratuita” (artigo 5º, inciso LXXIV, CF/88) os tribunais brasileiros já vêm se manifestando acerca do tema.
Ao julgar suposta inconstitucionalidade em disposições análogas da lei 9.534/97, ao regulamentar o inciso LXXVI do artigo 5º, o Supremo Tribunal Federal decidiu em face da natureza pública dos serviços notariais que seria possível a gratuidade dos atos relacionados ao exercício da cidadania.
O STJ analisando o tema da extensão dos benefícios da gratuidade determinada judicialmente ao âmbito extrajudicial das serventias extrajudiciais ou serviços de notas e de registro decidiu:
A gratuidade de justiça concedida em processo judicial deve ser estendida, para efeito de viabilizar o cumprimento de decisão do Poder Judiciário e garantir a prestação jurisdicional plena, aos atos extrajudiciais de notários e de registradores respectivos, indispensáveis à materialização do julgado. Essa orientação é a que melhor se ajusta ao conjunto de princípios e normas constitucionais voltados a garantir ao cidadão a possibilidade de requerer aos poderes públicos, além do reconhecimento, a indispensável efetividade dos seus direitos (art. 5º, XXXIV, XXXV, LXXIV, LXXVI e LXXVII, da CF/88), cabendo ressaltar que a abstrata declaração judicial do direito nada valerá sem a viabilidade da sua execução, do seu cumprimento.
Neste quadro, o CPC-2015 incorpora relevante entendimento jurisprudencial e traz importante garantia a uma parcela grande da população brasileira que necessita da gratuidade integral para o exercício pleno de seus direitos.
E, como na decisão que inaugurou este breve texto, é muito conveniente a adoção deste entendimento já no período de vacatio legis do novo CPC, por se tratar de relevante premissa interpretativa já passível de aplicação na atualidade.
Dierle Nunes é advogado, doutor em Direito Processual, professor adjunto na PUC Minas e na UFMG e sócio do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia). Membro da Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do Novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados.
Fonte: Anoreg-BR