Registro de Imóveis – Desmembramento de imóvel rural Publicado em 24/05/2017
Serviço de Controle do Pessoal, Expedientes e Procedimentos Administrativos
Despachos/Pareceres/Decisões373/2006
Parecer 373/2006-E - Processo CG 259/2006
: 22/02/2008
REGISTRO DE IMÓVEIS – Desmembramento de imóvel rural de área inferior a 500 hectares, em duas unidades, cada uma com área superiorà fração mínima de parcelamento para a região - Ausência de transmissão do domínio, que não inibe o fracionamento - Apresentação dos documentos necessários, inclusive memorial e planta subscritos por profissional habilitado, resguardando-se o principio da especialidade objetiva – Desnecessidade de georrefenciamento, de autorização do INCRA e do DEPRN – Indivisibilidade da hipoteca, que não inibe a divisibilidade da coisa hipoteca - Recurso não provido, com revisão hierárquica de ofício parcial, para constar o deferimento integral da pretensão averbatória.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
Trata-se de recurso interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Miguelópolis, que, para averbação de desmembramento de imóvel rural (matrícula n. 6.591), manteve apenas exigência de anuência do credor hipotecário, dispensando a necessidade de título de transmissão de domínio ou compromisso de compra e venda, bem como de anuência do DPRN.
O recorrente, em resumo, sustenta que não é possível o desmembramento de imóvel rural sem transmissão de titularidade, fora dos fins legais, bem como que é necessária a autorização do DPRN, uma vez que o bem se qualifica como área de preservação permanente. Postula, pois, o provimento do recurso.
Processado o recurso, apresentadas as contra-razões, a Promotoria Geral de Justiça opina pelo não provimento, com revisão hierárquica para deferir na integra o pedido dos interessados (afastando, também, a exigência mantida na decisão recorrida).
É o relatório. Opino.
É preciso, inicialmente, observar que não estamos em sede de dúvida propriamente dita, pois ausente dissenso sobre a prática de registro em sentido estrito, anotada a natureza de averbação do ato de inscrição predial pretendido.
Logo, em sede de procedimento administrativo comum, a apelação deve ser conhecida como recurso administrativo (artigo 246 do Código Judiciário), observando-se satisfeitos seus pressupostos de admissibilidade, inclusive a atribuição da Corregedoria Geral da Justiça para seu exame.
No mérito, em meu ver, impõe-se, reconhecendo a razão da Procuradoria Geral de Justiça, a improcedência do recurso e, por reexame hierárquico de ofício, próprio do autocontrole de legalidade do direito administrativo, reformar a decisão para constar o deferimento integral da pretensão averbatória dos interessados, suprindo, deste modo, a exigência mantida na decisão proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente.
De fato, estamos em sede de desmembramento de imóvel rural, com escopo de segregação do bem em duas novas unidades imobiliárias rurais, ambas com área superior à fração mínima de parcelamento para a região: o imóvel objeto da matrícula n. 6.591 tem área de95,50 hectares(fls. 44/45), as glebas resultantes do fracionamento tem5,0578 hectarese90,5322 hectares(fls. 41/43), observando-se que a fração mínima de parcelamento é de3,00 hectares(fls. 21).
Neste quadro e, ainda acrescendo que consta formulado, de modo adequado o requerimento para o desmembramento pelos proprietários e usufrutuária do imóvel rural (fls15/17), devidamente instruído com CCIR, CND de imóvel rural (ITR), prova de recolhimento de ITR, bem como memoriais e planta, subscritos por profissional habilitado, observando-se resguardado o principio da especialidade (inclusive em confronto com a descrição tabular do imóvel rural matriculado), viável é a averbação de desmembramento pretendida, não vingando as demais exigências do registrador.
A orientação restritiva de que o desmembramento de imóvel rural pressupõe necessariamente transmissão de titularidade de domínio ou compromisso de venda e compra, não se admitindo a segregação por mero requerimento do proprietário, com respeito ao entendimento oposto, não procede. Respeitado o módulo de fracionamento do imóvel rural, ou melhor, o limite de indivisibilidade dos imóveis rurais (artigo 65, Lei nº 4.504/64, e art. 8º, Lei nº 5.868/72), não há razão jurídica para vedar a segregação, observando-se não só a orientação que tem admitido esse desmembramento por divisão (que, obviamente, não é ato de transmissão) – (STJ, Resp. 16351-0/MG e 36.713/RJ; CSM-SP, Ap.Civ. nº 12.189-0/4, parecer do então Juiz Auxiliar da CGJ-SP, hoje Desembargador, Dr. Aroldo Mendes Viotti), mas também por mera averbação, destacando-se, neste particular e nesta Corregedoria Geral da Justiça, recente parecer aprovado por Vossa Excelência, cuja ementa transcrevo:
“Recurso Administrativo – Imóvel rural – Desmembramento – Possibilidade – Observância da fração mínima para a região – Imóvel bem descrito e caracterizado – Princípios da continuidade e especialidade objetiva presentes – Recurso provido”(Processo CG nº 884/2005, parecer da MM. Juíza Auxiliar da CGJ-SP, Dra. Ana Luíza Vila Nova).
Outrossim, observando-se que se cuida de desmembramento (não loteamento) de imóvel rural, não há que se falar, no caso, em aprovação do INCRA (CSM-SP, Ap. Civ. nº 12.189-0/4, já referido). Também não se pode exigir descrição georreferenciada (artigo 176, § 3°, da Lei 10.267/2001), por se cuidar de imóvel rural com área inferior a500 hectares, ainda não escoado, pois, o prazo de carência de oito anos, contado de outubro de 2002, para adaptação ao novo sistema (Decretos n°s 4.449/2002 e 5.570/2005) – (Proc. CG nº 884/2005, também já referido). Por falta de previsão legal, outrossim, não há como exigir aprovação do DEPRN.
Em relação a esse último ponto, de maior discussão nestes autos, referente à exigência de licença ambiental do DEPRN, por ser o imóvel em foco lindeiro ao Rio Sapucaí, havendo, pois, área de preservação permanente a ser respeitada, cumpre notar que o desmembramento em foco em nada interfere nas restrições ambientais do Código Florestal, especificamente em relação à área de preservação permanente, pois elas decorrem de norma legal cogente (artigo 2º da Lei nº 4.771/65) e, assim, hão de ser respeitadas, nos limites da própria lei, esteja, ou não, desmembrado o imóvel rural em questão.
Ademais, a afirmação genérica do recorrente de que a legislação ordinária e as Resoluções do Conama “prevêem que qualquer intervenção antrópica em locais de preservação permanente exigem autorização do DEPRN”, não é suficiente para lastrear a recusa de averbação.
Primeiro, porque não há norma específica (quer em lei, quer em Resolução do Conama) de incidência no caso.
Segundo, porque, em princípio, desmembramento de imóvel rural em duas novas unidades, com respeito à fração mínima de parcelamento, em rigor, é mera interferência na figura jurídica da coisa, não propriamente ação humana material que afete o meio ambiente em sua concretude fática. Em outras palavras, a coisa, sob a esfera fático-ambiental, permanece inalterada; o que muda, isso sim, é seu contorno jurídico, com o surgimento de duas novas unidades imobiliárias, sob o ângulo do direito. Ora, intervenção antrópica é, genericamente, intervenção relativa à “ação humana” (Resolução Conama 012/94), e, em sentido restrito, intervenção relativa aos “impactos no meio ambiente gerados por ações humanas” (Edis Milaré, Direito do Ambiente. Ed. RT, 2000, p. 648), observando-se que “impacto ambiental” é “alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetem: (I) a saúde, a segurança e o bem estar da população; (II) as atividades sociais e econômicas; (III) a biota; (IV) as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; (V) a qualidade dos recursos ambientais (Resolução Conama 001/86, art. 1º)” (Edis Milaré, ob. cit., p. 671). Assim, pela simples referência tópica à “intervenção antrópica” não se configura senão aquelas atreladas à ação humana em seu aspecto material (físico, químico e biológico), tal como desmatamento, corte de árvore, queimada, alteração de curso d´água etc, que não tem equivalência com o caso de desmembramento em simples redesenho jurídico da gleba rural em duas novas unidades.
Por fim, a anuência do credor hipotecário para o desmembramento em questão também é desnecessária, uma vez que a indivisibilidade da hipoteca não inibe a divisão do imóvel hipotecado, que prescinde de anuência do credor hipotecário (salvo para hipoteca cedular - CSM, Ap. Civ. nº 10.246-0/0 -, mas esse não é o caso), bastando transportar as hipotecas, por averbações remissivas, a cada nova matrícula que for descerrada para cada uma das novas unidades imobiliárias resultantes do desmembramento.
Aliás, não confundir a indivisibilidade da hipoteca com a indivisibilidade da coisa, sabendo que aquela não impede divisão do bem hipotecado, é da tradição de nosso direito (Washington de Barros Monteiro,Curso de Direito Civil, vol. III, p. 398; Caio Mario da Silva Pereira,Instituições de Direito Civil, IV, p. 307, Pontes de Miranda,Tratado de Direito Privado, vol. XX, p.127-130), como bem leciona Ademar Fioranelli (A Hipoteca, in Direito Registral Imobiliário. Ed. Saf, 2001, p. 283-285).
Diante do exposto, o parecer que submeto, mui respeitosamente, à elevada apreciação de Vossa Excelência é pelo conhecimento e não provimento do recurso, com reexame hierárquico de ofício, para reformar a decisão proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente na exigência mantida, constando o deferimento integral da pretensão averbatória dos interessados.
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Sub censura.
São Paulo, 03 de outubro de 2006.
(a) VICENTE DE ABREU AMADEI
Juiz Auxiliar da Corregedoria
DECISÃO:Aprovo o parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria e por seus fundamentos, que adoto, conheço do recurso interposto e nego-lhe provimento, com reexame hierárquico de ofício, para reformar a decisão proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente na exigência mantida, constando o deferimento integral da pretensão averbatória. Publique-se. São Paulo,06 de outubro de 2006. (a) GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça