MPF teme que a sanção da MP 759 incentive a especulação imobiliária e intensifique conflitos agrários na Amazônia, e orienta Incra sobre aplicação da nova lei
O Ministério Público Federal (MPF) expediu recomendação ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para esclarecer pontos em relação à aplicação de dispositivos da Lei 13.465/2017, resultado da conversão da Medida Provisória 759. A MP, sancionada pela presidência da República na última terça-feira (11), trata da reforma agrária e da regularização de ocupações em estados da Amazônia por meio do Programa Terra Legal, além de alterar os procedimentos de alienação de imóveis da União.
Na recomendação, o MPF orienta que o Incra não aplique as novas regras previstas na lei à regularização fundiária no âmbito Programa Terra Legal, em razão da ausência normativa para a tabela de preços para titulação e regularização no programa. O documento também esclarece que o instituto não deve equiparar os valores previstos na planilha de preços referenciais para fins de titulação de projetos de assentamento aos valores para titulação e regularização fundiária.
De acordo com a Lei 13.465/2017, os valores de imóveis rurais destinados à titulação e regularização fundiária – caracterizados apenas pelo solo com sua superfície, vegetação nativa e sem construções – seriam equiparados aos preços utilizados para a avaliação de imóveis destinados à reforma agrária. A medida, segundo o MPF, serviria de estímulo à especulação imobiliária, devido à transferência massiva de terras públicas para interesses particulares, a preços muito abaixo dos praticados no mercado e sem a necessidade de realização de licitação.
“A concessão de terras públicas por preços muito abaixo do valor de mercado desestimula as atividades produtivas e estimula, consequentemente, a ocupação de novas áreas que acarretarão maior retorno financeiro. Em termos diretos, a norma em apreço induz, quando deveria inibir, a especulação imobiliária na região amazônica”, destaca o texto da recomendação.
O MPF requer ainda a revisão dos valores para regularização fundiária na instrução normativa do Incra que regulamentou o tema, em março deste ano. A norma estendeu os valores da Planilha de Preços Referenciais (PPR), utilizados como referência de preços para projetos de assentamento, à regularização fundiária. Com a orientação, o MPF quer limitar os baixos valores apenas à execução de projetos de assentamento.
O coordenador do Grupo de Trabalho Terras Públicas da Câmara de Direitos Sociais e Atos Administrativos do MPF (1CCR/MPF), procurador da República Marco Antônio Delfino, afirma que a aplicação dos dispositivos da Lei 13.465/2017 às políticas de regularização fundiária contraria os objetivos da reforma agrária. De acordo com ele, dados do governo federal apontam para um total de 40 milhões de hectares em áreas destinadas à regularização. O território totaliza área aproximadamente dez vezes maior que o estado do Rio de Janeiro. “A flexibilização excessiva do processo de regularização proposto na legislação se opõe aos propósitos da reforma agrária, contribuindo para a concentração de grandes áreas nas mãos de poucos”, explica Delfino.
Valores simbólicos – No documento, o Ministério Público Federal chama atenção para a redução drástica no cálculo do Valor de Terra Nua (VTN) Máximo após a publicação da Instrução Normativa Incra/P/n° 87/2017. Levantamento feito pelo MPF demonstra que, em alguns municípios do país, o VTN máximo por hectare proposto pela nova tabela de preços da autarquia sofreu drástica redução em comparação com o avaliado em 2015. No município de Sinop, em Mato Grosso, por exemplo, houve alteração do VTN Máximo de R$ 22.400,00 por hectare em 2015 para R$ 2.826,00 em 2017, ou seja, redução para um décimo do valor anterior.
No cálculo médio, o MPF avalia que os novos valores podem representar menos de um centésimo do valor de mercado das áreas exemplificadas.
Conflitos Agrários e Metas Ambientais – Outro alerta feito pelo MPF na recomendação evidencia o risco de crescimento de conflitos na disputa por terras. Em referência a relatório do Banco Mundial de 1981, a recomendação aponta para os efeitos negativos associados ao crescimento acelerado em áreas fronteiriças, como invasões de terras indígenas, desmatamento e intensificação de conflitos agrários.
O documento também adverte para a ameaça de rompimento com compromissos internacionais firmados pelo Brasil, como a contribuição com o Acordo de Paris, no qual o Brasil se compromete a adotar medidas para fortalecer o cumprimento do Código Florestal e a redução do desmatamento ilegal a zero até 2030.
Na recomendação, o MPF estipula prazo de 72 horas para manifestação do Incra acerca das orientações feitas e alerta que, em caso de negativa do órgão, as medidas administrativas e ações judiciais cabíveis serão tomadas.
Leia a íntegra da recomendação.
Fonte: Ministério Público Federal
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