Algum tempo atras chegou até mim um casal com certa idade, ambos passados dos sessenta. Noticiaram que moram no mesmo endereço há quase 20 anos, que adquiriram parte daquele terreno por doação do proprietário (de boca, é claro), e parte por serviços prestados a esse mesmo proprietário.
Contudo, o que eles apresentavam nas mãos era uma ordem de reintegração de posse determinada por um juízo competente, em uma ação proposta pelos herdeiros daquele senhor bondoso, amigo da família que agora (ao que parecia) perdia o bem de uma vida.
Quando o dono do terreno (no papel) faleceu, os herdeiros promoveram o inventário daquele bem e tão logo ficou pronta a documentação promoveram o ajuizamento da ação para reintegrarem a posse que havia sido "esbulhada".
Quando me contaram a história (antes de ver a ordem judicial), eu falei pra terem calma, que não era assim, que um juiz jamais determinaria uma reintegração de posse naquelas circunstâncias, que primeiro iriamos ter um processo onde seriam produzidas provas,etc. Tão logo terminei de falar foi mostrada a ordem de desocupação no prazo de 30 dias sob pena de desocupação forçada através de força policial.
Por mais que conte com pouco tempo de exercício de advocacia, fiquei perplexo com aquela decisão, até eu entendia que ela era absurda, e fomos a batalha. Pior que mais gente com poder de decisão não entendeu aquela decisão por absurda e ela foi seguindo seu caminho, chegou mesmo a ser expedido o mandado de reintegração de posse e foi remetido ao magistrado para assinatura.
O fato é que, quase 3 meses depois daquele primeiro contato com os clientes desesperados, conseguimos derrubar definitivamente aquela ordem de reintegração de posse que colocaria na rua uma família que morou por quase 20 anos no terreno, fazendo dele o seu lar.
Agora, como pode ser que uma família sem nenhum documento assinado pelo "dono" do terreno conseguiu vencer um título de propriedade legítimo, com escritura pública e registro em cartório de registro de imóveis?!?
Isso se dá porque apesar de nossa Constituição assegurar o direito a propriedade privada, ele não é absoluto!!! Dono tem que ser dono!! Se você é dono de um terreno tem que cuidar dele, cerca-lo, aterrá-lo, fazer a calçada, enfim, "parecer" dono.
Por que, se você não o fizer e outro "se adonar" e parecer como o verdadeiro dono, ele pode, preenchendo mais alguns requisitos realmente adquirir o direito de ter aquela propriedade declarada como sua, é o que todos conhecem por usucapião!!
O processo original ainda não acabou, mas, pelas provas que foram produzidas até aqui, o entendimento é no sentidoque a família que possui o terreno (agora há mais de 20 anos), já possui o direito de ter a propriedade declarada para si.
Por Balduino Jorge Rockenbach Filho - Advogado formando em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul, Unisc - Capão da Canoa 2016/2. Militante e pesquisador do Direito Imobiliário. Atuante na região do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, com escritório no balneário de Rainha do Mar, município de Xangri-lá/RS. Contato de e-mail: (advogadobalduino@gmail.com) e telefone: (51) 980266595 (vivo).
Fonte: Jus Brasil