Artigo - Usucapião Híbrida por consolidação de negócios jurídicos - Por Igor Emanuel da Silva Gomes
Publicado em 23/10/2018
RESUMO
O presente estudo, condensado neste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), apresentará e defenderá uma nova tese intitulada Usucapião Híbrida por Consolidação de Negócios Jurídicos. A Usucapião Híbrida é um estudo sobre a possibilidade da cobrança de imposto de transmissão (ITBI e/ou ITCMD) sobre o processo de usucapião. Matéria especialmente sensível, o trabalho abordará aspectos gerais da usucapião, a consolidação doutrinária acerca do tema, especialmente sobre a atual impossibilidade de tributação, e proporá uma nova interpretação da lei oxigenada pelo princípio constitucional da isonomia, alinhada à uma nova realidade factual nas relações jurídicas envolvendo aquisição de bens imóveis. Palavras chave: USUCAPIÃO HÍBRIDA. USUCAPIÃO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO SOBRE USUCAPIÃO. USUCAPIÃO E ITBI. USUCAPIÃO E ITCMD. NÃO INCIDÊNCIA DE ITBI NO PROCESSO DE USUCAPIÃO. INCIDÊNCIA DE ITBI NO PROCESSO DE USUCAPIÃO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO NA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL. USUCAPIÃO PELA VIA EXTRAJUDICIAL. 1. INTRODUÇÃO A Lei Federal nº 13.105/2015 que instituiu o novo Código de Processo Civil (NCPC/2015) trouxe diversas novidades e alterações que tendem a aprimorar o processo civil brasileiro. Dentre essas alterações, registre-se a possibilidade de realização de usucapião pela via extrajudicial (cartórios de notas e de registro), aprimorada pela edição da Lei Federal nº 13.465/2017 e Provimento nº 65/2017-CNJ que desobrigou o pretendente a usucapir de trazer ao ato a anuência do antigo proprietário do imóvel . Visto que agora a matéria chegou aos balcões de atendimento das serventias extrajudiciais, onde caberá ao Registrador a análise de viabilidade da usucapião, exsurge a seguinte discussão: É possível a incidência de imposto de transmissão sobre a usucapião, seja ele ITBI e/ou ITCMD? Temos defendido que sim! É possível a incidência de imposto de transmissão no processo da usucapião. E é a partir dessa premissa, que iniciamos essa duríssima discussão. 2. CONCEITUAÇÃO E DESENVOLVIMENTO Conceitualmente, a usucapião é o direito que o indivíduo adquire em relação à posse de um bem móvel ou imóvel em decorrência da utilização do bem por determinado tempo contínuo e sem contestação/oposição. Em caso de imóvel, via de regra, qualquer bem que não seja público pode ser adquirido através da usucapião. A usucapião ganhou relevo na seara das Serventias Extrajudicias (cartórios) em razão da edição e publicação da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que passou a vigorar em 18 de março de 2016 , e implementou o Novo Código de Processo Civil (NCPC/2015). A redação trazida pela nova lei processual, no que toca a usucapião, posteriormente aprimorada pela Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, trouxe inovação positiva à regularização de imóveis através da usucapião. Ainda que o Novo Código de Processo Civil (NCPC/2015) tenha conferido ao Notário e ao Registrador a possibilidade de reconhecer o direito à usucapião, deve este operador do direito atentar-se aos rigores da lei. Diz-se, pois o NCPC/2015 não criou uma nova modalidade de usucapião, criou tão somente um novo procedimento de acesso e reconhecimento de aquisição da propriedade por usucapião. Em que pese a objetividade e concretude proposta pela lei, o processo de usucapião ainda não é dos mais simples. É necessário que sejam atendidos os pré-requisitos da lei, em específico, o Código Civil (CC/02) e a Constituição Federal Brasileira (CF/88). Pelas disposições do Código Civil existem várias espécies de usucapião, que para completude do estudo, em breve relato, passamos a expor. 3. ESPÉCIES, MODALIDADES E PRESSUPOSTOS A usucapião é a convalidação do instituto da posse em propriedade, e no atual sistema jurídico brasileiro pode ser subdividida em espécies e modalidades que passaremos a, sinteticamente, expor. 3.1. Usucapião Extraordinária CÓDIGO CIVIL Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Prevista no artigo 1.238 do Código Civil (CC/02), tem como pressuposto os seguintes requisitos: (i) Posse ininterrupta do imóvel por 15 anos, sem oposição, independentemente de título e boa-fé; (ii) Redução do prazo para 10 anos, se: o possuidor estabelecer no imóvel a sua moradia habitual, houver realizado obras, ou ainda, tiver realizado serviços de caráter produtivo no local. 3.2. Usucapião Ordinária CÓDIGO CIVIL Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. Com previsão no artigo 1.242 do Código Civil, impõe como requisitos: (i) Posse contínua do imóvel durante 10 anos; (ii) Boa-fé; (iii) Justo título; (iv) Redução para 5 anos, se: houver aquisição onerosa, com base em registro, cancelada posteriormente, ou se os possuidores tiverem estabelecido moradia no local ou tiverem realizado investimentos de interesse social e econômico. 3.3. Usucapião Especial Rural CONSTITUIÇÃO FEDERAL Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. CÓDIGO CIVIL Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Com previsão na Constituição Federal de 1988 e também no Código Civil, requer: (i) Posse por 5 anos; (ii) Imóvel situado em zona rural; (iii) Área não superior a 50 hectares; (iv) Área produtiva pelo trabalho próprio ou da família, tendo nela sua moradia; (v) O possuidor não pode ter outro imóvel. 3.4. Usucapião Especial Urbana CONSTITUIÇÃO FEDERAL Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. CÓDIGO CIVIL Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1o O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2o O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. São requisitos objetivos da Usucapião Especial Urbana: (i) Posse por 5 anos; (ii) Zona urbana; (iii) Área não superior a 250m²; (iv) Moradia; (v) O possuidor não pode ter outro imóvel. 3.5. Usucapião Coletiva ESTATUTO DAS CIDADES Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. (Redação dada pela lei nº 13.465, de 2017) § 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. § 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis. § 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas. § 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio. § 5o As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes. São requisitos objetivos da Usucapião Coletiva: (i) Imóvel localizado em áreas urbanas; (ii) Ocupação por população de baixa renda para sua moradia, durante 5 anos ininterruptos; (iii) Área superior a 250m²; (iv) Impossibilidade de identificação dos terrenos ocupados por cada possuidor; (v) Os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. 3.6. Usucapião Especial Familiar CÓDIGO CIVIL Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. São requisitos objetivos da Usucapião Especial Familiar: (i) Posse exclusiva, ininterruptamente, por 2 anos; (ii) Imóvel urbano de até 250m²; (iii) Ex-cônjuge ou ex-companheiro ter abandonado o lar; (iv) Utilização para moradia própria ou de sua família; (v) Não ser proprietário de outro imóvel. 4. DA INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS No ordenamento jurídico pátrio existem, atualmente, duas espécies distintas de impostos sobre as transmissões de bens imóveis, quais sejam: o ITBI e o ITCMD. O Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter-Vivos – ITBI, está previsto na Constituição Federal de 1988, no artigo 156, inciso II. Já o Código Tributário Nacional – CTN (Lei 5.172, de 25.10.1966) rege o ITBI em seus artigos 35 a 42. Vejamos os textos legais: CONSTITUIÇÃO FEDERAL Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; (grifo nosso) CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador: I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil; (grifo nosso) Como vimos no artigo 156, II supra, a CF/88 estipulou que o ITBI (Imposto sobre as Transmissão de Bens de Imóveis – inter vivos) competiria à gestão municipal, enquanto o ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis ou Doação) competiria à gestão dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do artigo 155, I, CF/88. Vejamos o texto complementar: CONSTITUIÇÃO FEDERAL Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; Em ambos os impostos o elemento determinante para ocorrência do fato gerador é a transmissão. Caroline Ramalho de Azevedo , citando o professor Eduardo Sabbag, ensina que no direito tributário a relação jurídica tributária segue uma ordem cronológica de acontecimentos, que ao final vai evidenciar a maneira como o Estado se apropria do tributo. Continua elucidando que para a realização da cobrança do tributo é necessário partir de um plano hipotético, previsto na norma, a qual vai elencar os casos em que ocorrerá o fenômeno da incidência tributária. Partindo da hipótese de incidência, a concretização, materialização desta constitui o chamado fato gerador. A hipótese se concretiza no mundo real, em um plano fático, dessa forma é possível afirmar que o fato é uma hipótese acontecida. É no momento em que ocorre o fato gerador que será definida a natureza jurídica do tributo . O fato gerador, de acordo com o artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN), ocorre quando envolve uma situação jurídica que se aperfeiçoa quando estão presentes os seus requisitos legais, em se tratando de tributo que vincula a realização de um negócio jurídico, o fato gerador se concretizará assim que tal negócio for formalizado. À esse encontro de fatores dentro da linha cronológica do tempo dá-se o nome de subsunção do fato à norma. Nas tratativas acerca do imposto sobre a transmissão de bens imóveis, temos três possibilidades legais para ocorrência do fato gerador: Primeira. No ITBI é quando há transferência onerosa inter vivos de propriedade de bens imóveis. Conforme inteligência do artigo 1.245 do Código Civil, transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. Por esta construção, enquanto não houver o registro do título translativo perante o Registro Geral de Imóveis (CRGI), o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. Por esta assertiva, inclusive já pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), só haverá o fato gerador do ITBI quando a escritura, ou outro documento com forma legal, for devidamente submetido ao registro em cartório próprio. Vejamos a jurisprudência do STF : AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DEVIDO PROCESSO LEGAL. ITBI. FATO GERADOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. 1. A jurisprudência do STF se consolidou no sentido de que suposta ofensa aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e dos limites da coisa julgada, quando a violação é debatida sob a ótica infraconstitucional, não apresenta repercussão geral. Precedente: RE-RG 748.371, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, DJe 1º.8.2013. 2. A transferência do domínio sobre o bem torna-se eficaz a partir do registro público, momento em que incide o Imposto Sobre Transferência de Bens Imóveis (ITBI), de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Logo, a promessa de compra e venda não representa fato gerador idôneo para propiciar o surgimento de obrigação tributária. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 807255 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 06/10/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-218 DIVULG 29-10-2015 PUBLIC 03-11-2015) (grifo nosso) Segunda. No ITCMD, tratando-se especificamente da “causa mortis”, o fato gerador se verifica com óbito do detentor do direito (propriedade ou posse). Ou seja, na “causa mortis” o fato gerador não depende de procedimentos normativos ou burocráticos – depende tão somente da ocorrência do evento morte. Conforme inteligência do artigo 1.784 do Código Civil, aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo , aos herdeiros legítimos e testamentários. Terceira. Já no ITCMD, tratando da doação, seguindo a prescrição do artigo 1.245 supracitado, a transferência só ocorreria com o registro da competente escritura pública de doação. Sendo assim, em todas as hipóteses de tributação (ITBI ou ITCMD) parte-se da chamada hipótese de incidência. Trata-se de uma hipótese, como o próprio nome já diz, – uma situação que vai gerar a capacidade de tributar, vai haver uma aptidão para o tributo. Quando envolver uma situação de fato, sua concretização se dará a partir da verificação de circunstâncias materiais que proporcionem a produção de seus efeitos. 5. DISCUSSÃO ACERCA DA IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DO ITBI E/OU ITCMD NOS PROCESSOS DE USUCAPIÃO DE BENS IMÓVEIS Como pudemos observar nos textos legais supra citados, inclusive no entendimento já pacificado oriundo do STF, diferentemente do que acontece nas relações jurídicas tradicionais sujeitas a tributação de ITBI e/ou ITCMD, a usucapião não estaria submissa a tais regramentos, visto que em sua essência não há transmissão de propriedade. Argumenta-se que não haveria transmissão porque, em tese, não há transmitente – não há um negócio jurídico anterior que justifique a assunção da propriedade usucapida. Segundo Caio Mário da Silva Pereira , “usucapião é a aquisição da propriedade ou outro direito real pelo decurso do tempo estabelecido e com a observância dos requisitos instituídos em lei. Mais simplificadamente, tendo em vista ser a posse que, no decurso do tempo e associada às outras exigências, se converte em domínio, podemos repetir, embora com a cautela de atentar para a circunstância de que não é qualquer posse senão a qualificada: Usucapião é a aquisição do domínio pela posse prolongada.” Para além da doutrina supra, vige absoluto no ordenamento jurídico pátrio a máxima de que a Usucapião é modalidade originária de aquisição de propriedade, e assim sendo, não há que se falar em subsunção à norma legal tributária. Kiyoshi Harada ensina que a cobrança/exigência do recolhimento de ITBI na usucapião não encontra apoio na Constituição e nas leis tributárias, pois na usucapião não existe a pessoa do transmitente da propriedade imobiliária por ser forma originária de aquisição. O juiz limita-se a declarar a existência da propriedade imobiliária a favor do posseiro que reuniu as condições legais para sua aquisição. Na linha da doutrina supra, o STF não dissona. Vejamos: “EMENTA: Imposto de transmissão de imóveis. Alcance das regras dos arts. 23, inc. I, da Constituição Federal e 35 do Código Tributário Nacional. Usucapião. A ocupação qualificada e continuada que gera o usucapião não importa em transmissão da propriedade do bem. À legislação tributária é vedada ‘alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado’ (art. 110 do C.T.N.). REGISTRO DA SENTENÇA DE USUCAPIÃO SEM PAGAMENTO DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO. Recurso provido, declarando-se inconstitucional a letra ‘h’, do inc. I, do art. 1o, da lei no 5.384, de 27.12.66, do Estado de Rio Grande do Sul” (RE no 94580/RS, Rel. Min. Djaci Falcão, DJ de 7-6-1985). (grifos nossos) O imortal Hely Lopes Meirelles , por sua vez dizia que a aquisição por usucapião não é fato gerador de ITBI porque a aquisição da propriedade se dá originariamente, e não por transmissão inter vivos. Os defensores desta corrente majoritária, advogam que a não incidência de ITBI em casos de usucapião se embasa na ausência de onerosidade, já que não há pagamento pelo adquirente, não havendo que se falar em negativa da isenção em razão do imóvel possuir mais que duzentos e cinquenta metros quadrados, já que a sentença originária já garantiu o direito da propriedade. Maria Helena Diniz ensina que a usucapião é um direito novo, autônomo, independente de qualquer ato negocial provindo de um possível proprietário, tanto que o transmitente da coisa objeto da usucapião não é o antecessor, o primitivo proprietário, mas a autoridade judiciária que reconhece e declara por sentença a aquisição por usucapião. Pela usucapião o legislador permite que uma determinada situação de fato que se estendeu por um certo intervalo de tempo, previsto em lei, se converta em situação jurídica. Firmados neste conceito doutrinário, os tribunais fecharam questão acerca do tema. Vejamos: 64885174 – IMPOSTO DE TRANSMISSÃO SOBRE BEM IMÓVEL (ITBI). USUCAPIÃO. Modo de aquisição originário e gratuito. Fato gerador não configurado. Ilegalidade verificada. Verba honorária estipulada em observância aos requisitos elencados no CPC/1973, vigente à época. Recurso conhecido e desprovido. (TJSC; AC 0500154-87.2013.8.24.0057; Santo Amaro da Imperatriz; Terceira Câmara de Direito Público; Rel. Des. Ronei Danielli; DJSC 21/08/2017; Pag. 292) Nota: Repositório autorizado do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009 . (grifo nosso) 96950915 – TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. MUNICÍPIO DE PIRACICABA. Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Usucapião. Cobrança indevida. A Usucapião representa modo originário de aquisição de propriedade, inexistindo transmissão. Inocorrência de fato gerador. Tributo incidente em caso de transmissão por ato oneroso. Sentença mantida. Reexame necessário desacolhido e recurso voluntário desprovido. (TJSP; APL 0005686-90.2014.8.26.0451; Ac. 8601194; Piracicaba; Décima Quinta Câmara de Direito Público; Rel. Des. Eurípedes Gomes Faim Filho; Julg. 23/06/2015; DJESP 14/07/2015) Nota: Repositório autorizado do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009. (grifo nosso) Entretanto, temos defendido uma abordagem diferente, qual seja: de que a consolidação doutrinária e jurisprudencial em torno da matéria já não pode ser admitida como absoluta e isolada (correta). Advogamos que essa máxima deve à sociedade uma melhor compreensão. Quando se apregoa à usucapião o título de forma de aquisição originária de propriedade, é como se dissesse que o imóvel usucapido jamais teve outro proprietário. E mesmo se tivesse, não haveria relação jurídica de transferência entre usucapido e usucapiente, o que pode ser, data vênia, um grande equívoco. A posse originária conceitua-se como um tipo de posse em que não houve a transmissão de uma pessoa para outra por contrato escrito (ou não) e oneroso (ou não). Contudo, o que não é difundido e estudado com exaustão é que a usucapião não é modalidade regular de aquisição de propriedade, e sim modalidade/medida excepcional. A usucapião só serve àqueles casos em que o imóvel não encontra outra solução para sua regularidade. Ou seja, a usucapião não deverá ter espaço quando ainda for possível a lavratura de (i) Escritura Pública de Venda e Compra, art. 1.245, CC/02; (ii) Escritura Pública de Inventário e Partilha, art. 610, CPC/15; (iii) Adjudicação Compulsória, art. 16, Decreto Lei nº 58/37; (iv) Escritura Pública de Doação, art. 541 c/c art. 1.245, CC/02, etc. A usucapião deve ser entendida como aquisição puramente originária quando não houver passado transacional no registro do imóvel, seja ele perante o RGI ou mesmo perante a municipalidade (cadastro de IPTU). O sistema jurídico nacional informa e oferece diversas formas de aquisição de propriedade e regularização de propriedades imperfeitas (documentalmente). A usucapião deve ser utilizada e interpretada como sendo última solução possível no ordenamento, visto que este instituto acaba por ser agressivo, posto que interrompe e violenta o princípio da continuidade registral do imóvel. A partir da usucapião, o imóvel usucapido perde sua história pregressa e passa a existir juridicamente com a propriedade originária do usucapiente. 6. DO SURGIMENTO DA USUCAPIÃO HÍBRIDA POR CONSOLIDAÇÃO DE NEGÓCIOS JURÍDICOS Em que pese a essência da usucapião (aquisição de propriedade originária), é de se cogitar a possibilidade de existir uma usucapião situada em um conceito jurídico intermediário, que temos | ||
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