Libertina Gaudino, uma índia terena de 99 anos, recebeu nesta sexta-feira (30/3) sua certidão de nascimento, no mutirão realizado em Aquidauana (MS) para reduzir o sub-registro civil entre indígenas. A certidão foi um dos cerca de três mil documentos entregues em três dias de trabalho pela força-tarefa que envolve várias organizações, dentro do programa Cidanania, Direito de Todos, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). "Vocês, antes de todos nós, são cidadãos brasileiros, e os documentos que estão recebendo hoje são o reconhecimento dessa condição de cidadãos", disse o conselheiro Ney José de Freitas, presidente da Comissão de Acesso à Justiça e Cidadania do CNJ, responsável pelo projeto.
O CPF, o RG, o Registro Civil e a Carteira de Trabalho e Previdência Social, prosseguiu Ney Freitas, "são um selo do Estado brasileiro que reafirma a cidadania do indígena, respeitando sua etnia e seu desejo de manter a identidade cultural". O registro civil emitido pelo projeto do CNJ menciona a etnia e a aldeia de origem, o que, além de reforçar a identidade coletiva, facilita o acesso do indígena a direitos específicos, como o de disputar cotas nas universidades.
Tânia Silva Correia, 33 anos, recebeu a própria certidão de nascimento e as de seus seis filhos. O mais novo tem 4 anos e o mais velho, 15. Nenhum dos seis pôde ser registrado ao nascer porque a mãe não tinha registro. Tânia contou que isso sempre gerou dificuldades nas escolas onde as crianças eram matriculadas. "Sem esse documento, a gente não fazia nada", ressaltou.
A responsável pela Coordenação Geral da Promoção do Registro Civil de Nascimento da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Marina de Basso Lacerda, enfatizou a colaboração do CNJ para viabilizar os mutirões multiinstitucionais – que já entregaram aos indígenas cerca de 9 mil documentos. Sem eles, os índios têm dificuldades para trabalhar, abrir conta bancária, viajar, estudar e várias outras ações do dia-a-dia de qualquer cidadão, além de não terem acesso à Previdência Social, relatou a secretária de Trabalho e Assistência Social do Mato Grosso do Sul, Tania Mara Garib.
CTPS - A Carteira de Trabalho e Previdência Social é um dos documentos mais procurados pelos indígenas. "É por ser um documento com foto, feito na hora e que é aceito como identificação", explica a gerente do Centro Integrado de Atendimento ao Trabalhador, Wanderléia José Dias. "Muitos deles trabalharam sempre em plantações e nunca tiveram carteira de trabalho", contou a servidora Rosa Maria Martins, da prefeitura de Aquidauana, enquanto entregou o documento a indígenas como o garoto Jadeílson Pereira, de 15 anos. Com a carteira, ele pretende procurar uma oportunidade de trabalho em uma mercearia.
Na mesma ocasião em que fazem os documentos, os indígenas que passam pelo projeto recebem também atendimento da Defensoria Pública. A demanda mais comum, disse o defensor público Rodrigo Zoccal Rosa, é a retificação dos registros já existentes, para que passem a conter a menção à etnia e à aldeia de origem. No Mato Grosso do Sul, essa anotação, regulamentada na semana passada pelo CNJ, é realizada com base em um provimento do Tribunal de Justiça.
Antes dos mutirões, havia muita dificuldade, especialmente para obter o Rani (Registro Administrativo de Nascimento de Indígena), contou Alcindo Albuquerque, vice-cacique da aldeia de Ipeque, uma das contempladas com o projeto Cidadania, Direito de Todos. "A família indígena não tem condições de se deslocar várias vezes até a cidade para fazer documentos", disse ele. Quando se desloca, o indígena também se sente desprotegido se tiver somente "o documento do branco", sem menção à sua condição de indígena. As lideranãs das aldeias, continuou Alcindo, "têm brigado muito pela inclusão dessas informações no registro e na carteira de identidade".
Participaram da entrega de documentos para as aldeias da região de Aquidauana, além do CNJ, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Defensoria Pública Geral da União (DPU), Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Associação de Notários e Registradores do Brasil (ANOREG), e a Associação Nacional de Registradores das Pessoas Naturais (ARPEN-BR). A próxima etapa do projeto será em Manaus, onde serão atendidos cerca de 1.300 indígenas, nos dias 12 e 13 de abril. (GN)
FONTE: Agência CNJ de Notícias