Artigo - A pratica dos cartórios de notas no meio eletrônico: Um avanço e modernização pelo e-Notariado - Rodrigo Reis Cyrino e Igor Emanuel da Silva Gomes
Publicado em 11/09/2020
Rodrigo Reis Cyrino1 Igor Emanuel da Silva Gomes2
RESUMO
Os cartórios estão inseridos no universo digital. A realização de atos notariais e registrais eletrônicos permite fácil acesso aos atos de cidadania para toda a sociedade, com todos os atributos relativos à segurança jurídica, celeridade e fé pública a vários procedimentos desjudicializados, tais como o divórcio, inventário, usucapião, apostilamento, dentre outros. No quesito “meio eletrônico ou digital” o avanço é significativo, com a utilização de diversos mecanismos de tecnologia, capazes de atender a população de forma mais simplificada, célere e segura, com instrumentos de biometria, webcam, certificado eletrônico notarial e agora até videoconferência para a leitura e assinatura dos atos notariais. O provimento 100, do ano de 2020, do Conselho Nacional de Justiça é um divisor de águas, pois criou o e-notariado: plataforma eletrônica que trouxe os cartórios de notas integralmente para a era digital, o que facilitará muito a atuação dos advogados, contadores, engenheiros, arquitetos e outros profissionais e fomentará o desenvolvimento de todo o mercado imobiliário com soluções simplificadas, seguras e com agilidade. O estudo detalhará o avanço e a importância da prática dos atos notariais eletrônicos para toda a sociedade, com o atributo da fé pública.
Palavras-chave: Cartório de Notas. Meio eletrônico. Modernização pelo e-notariado.
Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. OS CARTÓRIOS NO BRASIL. 2.1. IMPORTÂNCIA DAS SERVENTIAS NA DESBUROCRATIZAÇÃO E DESJUDICIALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS. 2.2. A FÉ PÚBLICA NOTARIAL E A SEGURANÇA JURÍDICA DOS ATOS. 2.3. PREPARO TECNOLÓGICO E DE MODERNIDADE DAS SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. 3. OS CARTÓRIOS DE NOTAS NO MEIO ELETRÔNICO: UMA COMPLETA MODERNIZAÇÃO PELO E-NOTARIADO. 3.1. AS CENTRAIS ELETRÔNICAS NOTARIAIS E REGISTRAIS. 3.2. A PLATAFORMA ELETRÔNICA DO E-NOTARIADO. 3.2.1. Os conceitos eletrônicos do e-Notariado e os procedimentos para o acesso. 3.2.2. A competência para a prática dos atos notariais eletrônicos. 3.2.3. Instrumentos de acesso aos dados e fiscalização dos atos notariais eletrônicos. 3.2.4. Da matrícula notarial eletrônica – MNE. 3.2.5. O acesso ao sistema. 3.2.6. Os atos notariais eletrônicos. 3.2.7. O e-Notariado como meio de acesso à justiça. 4. CONCLUSÃO. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
Os cartórios brasileiros estão digitais e permitem que os atos e documentos de cidadania possam ser lavrados, lidos e assinados eletronicamente da própria casa, escritório ou em qualquer outro local em que esteja o cidadão.
Para utilização de toda a tecnologia notarial e registral basta ter um computador ou até mesmo um smartphone, o que é um grande avanço na desburocratização e simplificação de procedimentos, sem qualquer perda da imprescindível segurança jurídica.
Além disso, a inserção dos cartórios no universo eletrônico ampliou a acessibilidade ao exercício de direitos relacionados à personalidade, igualdade, propriedade, manifestações de última vontade e etc.
Neste contexto, é nítida a evolução e mudança de paradigmas não só para os cartórios, mas para todos os setores da sociedade. O que dizer de uma audiência na Justiça por videoconferência? Ou de um processo judicial eletrônico?
No primeiro capítulo será feita uma abordagem sobre os cartórios no Brasil, sua importância e evolução histórica: da pena à era online e eletrônica. Será demonstrado que o fenômeno da desjudicialização tem sido uma solução plenamente viável para o cumprimento do princípio da duração razoável do processo (entenda-se processo não só como ações judiciais, mas como procedimentos judiciais ou extrajudiciais para solução de demandas da sociedade). Tal medida já está em pleno vigor no Brasil para outros procedimentos que serão mencionados e a simplificação do procedimento demonstra que o tempo dispendido para a solução das demandas é reduzido sobremaneira sem qualquer prejuízo, o que também traz satisfação aos usuários que comprovam a eficiência dessas providências.
Já no segundo e último capítulo, será feita uma análise dos cartórios no meio digital, com uma abordagem sobre as centrais eletrônicas de fácil acesso ao cidadão e, por fim, à grande novidade trazida pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ: o e-notariado, com uma análise de todas as suas inovações tecnológicas em prol do cidadão.
2. OS CARTÓRIOS NO BRASIL
2.1. IMPORTÂNCIA DAS SERVENTIAS NA DESBUROCRATIZAÇÃO E DESJUDICIALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS
Desburocratizar é simplificar procedimentos, sem a perda da segurança jurídica nos atos e negócios jurídicos, pois o contrário poderá gerar inúmeros prejuízos para toda a sociedade.
De outro lado, desjudicializar é possibilitar a outros agentes, como cooperadores da justiça, a prática e efetivação de soluções jurídicas documentais ou fáticas, com a simplificação de procedimentos, sem prejudicar em nada a segurança jurídica às relações sociais.
Francisco José Barbosa Nobre explica:
À míngua de um conceito melhor elaborado pela doutrina, podemos definir desjudicialização como “a transferência de atividades que tradicionalmente cabem aos juízes para outros órgãos ou agentes, obtendo, na prática, o alívio da sobrecarga judiciária e a maior brevidade ou simplicidade na efetivação do direito”. A partir desse rascunho conceitual, é possível divisar várias iniciativas legislativas que podem ser a ele associadas3
Importante esclarecer que a desjudicialização é o mecanismo para possibilitar que determinadas demandas sejam resolvidas facultativamente por outros agentes, em colaboração com o Poder Judiciário, o que não quer dizer que tais demandas serão retiradas por completo da apreciação daquele órgão, mas muito pelo contrário, tais demandas facultativamente poderão continuar ser resolvidas diretamente pelos magistrados ou pelos cooperadores da justiça, como podem ser considerados os notários e registradores, principalmente porque a atuação destes é fiscalizada rigorosamente e periodicamente pelo Judiciário, nos termos do artigo 236, da Constituição Federal de 1988:
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário4.
Ademais, os notários e registradores são profissionais do direito que prestam concurso público para a atividade extrajudicial e são dotados da fé pública na prática dos seus atos, ou seja, as declarações e lavraturas de atos presumem-se que sejam verdadeiras.
Isso sem contar que qualquer lapso, erro ou equívoco dos tabeliães e oficiais de cartório na prática de qualquer ato que gerem efetivamente prejuízos, eles responderão por estes danos causados em todas as esferas: penal, civil e administrativa. E mais ainda: o vício poderá ser sanado posteriormente pelo Judiciário.
Portanto, desjudicializar é facultar às pessoas solucionarem seus conflitos em outros meios fora da esfera judicial, desde que seja possível. É buscar meios alternativos de solução de conflitos para a busca da justiça social.
Segundo Norma Jeane Fontenelle Marques:
A desjudicialização indica o deslocamento de algumas atividades que eram atribuídas ao poder Judiciário e, portanto, previstas em lei como de sua exclusiva competência, para o âmbito das serventias extrajudiciais, admitindo que estes órgãos possam realizá-las, por meio de procedimentos administrativos. Este processo de transferência de serviços para os cartórios extrajudiciais que antes só poderiam ser feitos pela Justiça (desjudicialização), tem por objetivo trazer celeridade às ações que não envolvem litígio e contribuir para a redução da crescente pressão sobre os tribunais, que estão abarrotados. Para que o instrumento judicial se torne célere, é imperioso concentrar a atividade do Juiz, afastando do Poder Judiciário questões de menor complexidade, nas quais inexistam conflitos entre as partes. Assim, se evitaria a intervenção judicial nas situações em que não se faz necessária. A legislação processual necessita ser adequada a essa realidade.5
E agora toda essa desburocratização ou simplificação de procedimentos ganha outra grande evolução jurídica: a possibilidade da realização dos atos notariais e registrais online por meio de centrais eletrônicas, videoconferências e assinatura eletrônica.
2.2. A FÉ PÚBLICA NOTARIAL E A SEGURANÇA JURÍDICA DOS ATOS
A fé pública é o atributo que confere presunção de verdade nas informações, declarações e fatos consignados nos documentos públicos, o que traz a segurança jurídica de que os escritos estão de acordo com a vontade das partes ou com a realidade documental do caso concreto.
Somada a essa fé pública os agentes públicos investidos nessa função não possuem somente esse “bônus”, mas atraem a responsabilidade civil, administrativa e criminal pela certificação dos atos e fatos jurídicos consignados nos atos por eles lavrados e atuam de forma imparcial.
Para esse serviço público relevante e essencial a toda a sociedade, a Constituição Federal de 1988 definiu que os profissionais serão agentes delegados que exercerão uma função pública, também chamados de notários e registradores, e que serão fiscalizados periodicamente pelo Poder Judiciário, que é o responsável efetivar justiça em uma sociedade.
Dessa forma, falar em desburocratização e avanços tecnológicos nos atos de cidadania, sem pensar em segurança jurídica, é simplesmente criar uma desordem social, pois muitas fraudes ou golpes podem ser praticados, o que pode trazer prejuízos irreversíveis a toda a sociedade.
Imagina um idoso sendo coagido a assinar um testamento tendo como beneficiário um criminoso? Um usucapião extrajudicial sendo lavrado sem qualquer comprovação do tempo e atos de posse?
Uma escritura de compra e venda sendo assinada por uma pessoa que não seja a vendedora? A lavratura de uma escritura de inventário com a exclusão de um herdeiro? Um divórcio sem o acordo de uma das partes em relação à partilha dos bens ou dos alimentos?
Assim, para a prática dos atos da vida civil, a todo o momento, os cartórios devem verificar cuidadosamente a presença ou não da capacidade jurídica ou a lucidez de uma pessoa para a prática dos atos de vida civil, que é atestada através da aferição da capacidade do indivíduo em entender ou não o que está fazendo, também denominada de capacidade civil. Para os que não a possuírem, a lei civil os denomina de incapazes.
Para Maria Helena Diniz:
A incapacidade é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, devendo ser sempre encarada estritamente, considerando-se o princípio de que “a capacidade é a regra e a incapacidade a exceção”.
[...]
O instituto da incapacidade visa proteger os que são portadores de uma doença jurídica apreciável, graduando a forma de proteção que para os absolutamente incapazes (CC, art. 3º) assume a feição de representação, uma vez que estão completamente privados de agir juridicamente, e para os relativamente incapazes (CC, art. 4º) o aspecto de assistência, já que têm o poder de atuar na vida civil, desde que autorizados6.
É nítido, assim, que esse serviço público é essencial a toda a sociedade e deve ser prestado sempre com vistas a gerar segurança jurídica, seja no meio físico ou digital.
Nesse contexto, as serventias extrajudiciais exercem uma função pública de acordo com o artigo 236, da CF/88, sendo tal atividade fiscalizada com rigor pelo Poder Judiciário Estadual e pelo Conselho Nacional de Justiça.
O tabelião é o profissional do direito investido no cargo através de concurso público de provas e títulos, sendo verdadeiro cooperador da justiça, pois diariamente pratica vários atos e negócios jurídicos essenciais à vida da sociedade em geral, bem como atua em vários procedimentos desjudicializados, tais como:
a) Procurações públicas para venda de imóveis, INSS, bancos e etc.;
b) Escrituras públicas de compra e venda de imóveis e etc.;
c) Separações e divórcios;
d) Reconhecimento de assinaturas em documentos particulares;
e) Autenticação de documentos apresentados nos originais;
f) Inventários e partilhas;
g) Usucapião extrajudicial;
h) Apostilamento – legalização de documentos nacionais no estrangeiro, para fins de obtenção de cidadania e muitas outras finalidades;
i) Cartas de sentença extrajudiciais;
j) Homologação de penhor legal.
Os atos notariais praticados pelo oficial do cartório possuem o atributo da fé pública, onde a prática do ato, a capacidade jurídica e a presença das partes presumem-se terem sido verdadeiros.
Em suma, os cartórios são responsáveis pela atribuição de segurança jurídica em muitos atos e negócios jurídicos do cidadão. E quanto maior for a segurança jurídica, melhor caminha a vida em sociedade.
Para prática do ato notarial e registral, perante o tabelião, o usuário/cidadão deverá se identificar mediante apresentação de documentos emitidos pela Secretaria de Segurança Pública, Detran, Conselhos de Classe (OAB, CREA, CRECI, CRM, etc.) e diversos outros órgãos, desde que estes tenham os dados pessoais e uma fotografia atualizada. E é aqui que pode estar presente o problema, pois na prática diária, as serventias extrajudiciais se deparam com sujeitos falsários ou estelionatários que almejam praticar golpes com a prática criminosa da falsificação de documentos de identificação civil, o que por vezes ocasiona danos morais e materiais às vítimas em transações financeiras, imobiliárias, de veículos, previdenciárias e etc.
Em casos de falsificação documental os oficiais de cartórios têm exercido o seu múnus público de conferir segurança jurídica dos atos evitando fraudes, inclusive solicitando prisões em flagrante
às autoridades policiais no momento da prática do crime. Além disso, os cartórios constantemente capacitam os seus servidores com cursos de grafotecnia e documentoscopia para apurar possíveis falsidades.
Portanto, hoje, a prática de vários crimes com vítimas também na esfera civil, com golpes pela utilização de documentos falsificados, tem sido evitados quase que na íntegra, pois os cartórios diligenciam ao máximo na conferência e na confirmação dos dados dos documentos apresentados diretamente no órgão expedidor ou por outros meios eletrônicos.
2.3. PREPARO TECNOLÓGICO E DE MODERNIDADE DAS SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS
Atualmente os cartórios extrajudiciais são dirigidos por profissionais do direito investidos em concurso público de provas e títulos: os notários e registradores, nos termos do artigo 236, da Constituição Federal.
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