Cartórios e documentos: de geração em geração resguardar memórias de sentimentos e promover participação com visibilidade na sociedade
Publicado em 30/11/2021
Com o advento da internet e seus avanços tecnológicos, passou-se agrupar pessoas sob o critério de terem nascido ao tempo de algum descobrimento digital. São os da geração “baby boomer”, X, Y, Z, Alpha. Catalogam-se perfis laborais e emocionais sem a possibilidade de demarcar individualidades de saberes ou de sentimentos. As individualidades são identitárias de uma sociedade.
O registro existencial dos indivíduos é essencial para que, em meio ao todo, identifique-se cada qual pertencente a determinado grupamento da sociedade. Algo como organizar o espaço social para atuações governamentais na implementação de políticas públicas mais equânimes, sendo isso mais efetivo do que considerar simplesmente a camuflagem da mera igualdade viável. Nem todo mundo é igual. O atuar equânime procura enquadrar, em alguma medida, às diferenças singulares para que, de algum modo, todos possam disputar, no público ou no privado, um lugar para chamar de seu. De acordo com as disputas que, conscientemente, escolhera para si. É para ter, pelo menos, chance. Talvez seja esse o modo mais sonhado de se viver: individualmente exercendo cidadania em sociedade. Cidadão é aquele que tem voz no espaço público para clamar e conquistar direitos, bem como cumprir deveres. A sociedade, sob tal perspectiva, é grupamento de indivíduos sobre território demarcado, no qual se exercitam direitos e deveres, mantendo-se coesos traços culturais, representativos das aquisições sentimentais e materiais de determinadas épocas. Desde que conjugada com governo próprio e reconhecimento da soberania por outros governos. Demarcações de solos só são mantidas quando, no país, há indivíduos que se interrelacionam coletivamente na confluência de ideias plurais, mesmo em meio a intensas divergências argumentativas. Trata-se da arena da legitimidade dos debates democráticos. Toda essa confluência de (des)interesse, entretanto, exige registro histórico. Significando estar escrito e guardado em algum lugar, institucionalizado a fim de buscar resguardar o acesso de gerações vindouras às fontes das experiências passadas ante tensões próprias da democracia. A partir daí, não cometer erros do passado e outro caminho rumo ao futuro. Instituições que de algum modo proporcione meios para conquistar cidadania, em prol do exercício de direitos e deveres; não apenas atuem depois de já se tê-las por reconhecida. Alguém sem registro sobre um território é um apátrida. É por isso que, no pensar filosófico em prol de uma pátria, cedemos parte da nossa liberdade em função do surgimento do Estado. Contra determinadas ameaças, só instituições coletivas são potentes para o resguardar a segurança de: pessoas, bens, saúde coletiva, etc. Além disso, guardar documentos importantes. A propósito de guardar documentos, em regra não conseguimos sozinhos. Sequer sabemos onde estão guardados os escritos das nossas conquistas amorosas pessoais. Por exemplo, se você é da geração “baby boomer”, nascidos entre 1946 e 1964, ou da geração X (1965 a 1980), talvez tenha recebido, em algum momento, cartas entregues pelos Correios dando notícias de algum familiar ou de amor longínquo. Esperava-se, a depender da distância, dias para se receber uma carta. Exercitava-se a paciência mesmo na expectativa. Tais cartas existem ainda? Sabe onde as guardou? Se você, porém, é da geração Y, Z (millenials) ou alpha, nascidos após 1981 até a presente data, talvez tenha recebido notícias das dores ou dos amores via e-mail, WhatsApp ou alguma rede social. Existe algum “print” destas notícias ou conversas, quiçá guardados nos seus arquivos digitais? Provavelmente não. Ao mesmo tempo em que se multiplicaram as mensagens instantâneas também se minaram a paciência de catalogar algo para guardar, até mesmo para ritualismo da conquista da amizade ou do amor. Tudo se perde, e até se bloqueia, no fugaz de um “click”. Ora, escritos de amor ou de dores são registros a respeito dos sentimentos da alma. Embora, às vezes, o peito possa doer de tanto amar, para distingui-los, com evidências, há que experimentar a ambos. Mas, sinceramente quem consegue sozinho catalogar a dor e o amor? Exemplo manter um registro genealógico dos mortos da família. Embora em relação às dores mais valha esquecê-las do que remoê-las, com o amor a dinâmica é outra: sempre guardar. Eternizar. Assim, as várias manifestações de amor seria bom tê-las conservadas, tanto no peito quanto registradas em algum Cartório de Registro e Documentos (RTD), para historicidade própria. Ler, aos filhos, em roda de conversa as cartas que trocavam os avós gera sentimento. É sentimento movendo sentimento em um círculo de pessoas. Assim vão se criando memórias individuais e coletivas. Cada ser humano, no meio do povo, é em si um universo andante, no mundo circulante em que tudo se movimenta de geração em geração. Para que se possa identificar os sujeitos das gerações, conhecer cada ser andante, há que se registrar a (in)existência de cada qual como partícipe do todo e como viveram na sociedade, no amor ou na dor. Amor e dor geram experiência para os relados das crônicas da vida. São os sentimentos que movem as pessoas a querer existir, relacionar, plantar, criar, amar, trabalhar ou mesmo construir algo para fim existencial. Na própria engrenagem sensitiva de cada um, talvez sem mesmo mirar como alvo, conseguir retratar, em quadros, o compasso da vida. Vale dizer, viver de momentos em momentos com sensibilidade. Com efeito, observar e conseguir, dentre outras, capturar eventos em cores, sabores, odores. Soerguer a fé, erguer pontes, gerir a paz, imunizar o corpo, movimentar riquezas. Criar a própria historicidade para compor a história de um país. Mesmo com essa potencialidade toda para eclodir em sentidos a própria vida, há pessoas, que por mero descuidos, não guardam sequer o próprio patrimônio material ou de si (imaterial). Ocorre que uma nação é povo com mesma cultura, porém sem limite territorial para chamar de seu, nem governo próprio. Ou seja, são as pessoas que, de tão apaixonadas por algo, fazem-se conhecidas pela cultura que materializam nos seus atos. Levantam pesadas bandeiras, (in)visibilizadas, segurando-as nos braços até conquistar solo próprio para então hasteá-las visivelmente fincadas no chão. A propósito, existe, por exemplo, a nação Flamenguista, a Corintiana, ambas têm seus solos (estádios). É a paixão inserida na sociedade e evidenciada por uma cultura. País se configura em experiência de amor mais consolidada. É espaço territorial sobre o qual vive um povo, que tem governo e pode afastar, dada sua soberania, a invasão de outro país. Ter política de Estado e de Governo pensadas, com direcionamento para promover instituições sólidas, fortalece o país. Os cartórios são instituições que há muito tempo contribuem para a identificação dos indivíduos da sociedade e, com efeito, também para implementação da cidadania. Vale dizer, passa o indivíduo a existir, ter nome, podendo se inserir socialmente. Todo país precisa registrar seu povo, o que se faz por meio do Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN). Registram-se nos seus livros: nascimentos, casamentos, óbitos. É o arquivo no qual se noticia que alguém chegou, casou (amou), bem como partiu, deixando, ou não, herdeiros. E, por mais que se queira, pensar que melhor seria usar os modernos cadastros mediados por algoritmos em redes computacionais, não há neles o humano esclarecedor de sentimentos. Já tentou resolver algum problema em grandes empresas que se socorre de robôs? Ou de per si, e sem mediação do Judiciário, falar com alguma das empresas gigantes digitais que hospeda seu perfil. Sinceramente, abre-se um link que dá em outro link, e repete, e com isso escoa o dia. O algoritmo só lê sequência de números para decifrar o mais do mesmo. Resolve, por ora, o massificado sem considerar qualquer contingência. Só que a vida é muito rica em desvelar contingências. É famosa a expressão “como não pude pensar nisso?” ou “como fui me resvalar logo nisso?”. No decorrer da vida muitos passam trabalhando ou lutando por patrimônio: móvel (ações, gado, carros, quadros) ou imóvel (lotes, fazendas, etc.). Uma universalidade de bens que pertence, ou deveria pertencer, à pessoa ou a instituição determinada. O patrimônio, que pode ser material ou imaterial, além de significar conquista individual ligada a dignidade que cada um considera ideal, é fonte geradora da riqueza do próprio Estado para sustentação das políticas públicas, a exemplo da educação, da saúde e da segurança. Uma sociedade civil distinta é aquela compostas de povo múltiplo em seus saberes, assim se abre espaço para o cientista, o artista, o florista, o escritor, o juiz, o médico, o cozinheiro, o pintor, o desenhista, o filosofo, e tantos outros que dão o colorido cultural de uma nação. A sociedade civil, seja a conceituada como o espaço em que se vive várias pessoas em um local, ou seja, aquela conhecida como a que se constrói com fundamento no direito em desfavor da barbárie, bem como para fins de contraposição, só se faz possível se organizada com conjunto do seu povo e de sua riqueza. Daí a importância das políticas públicas implementadas de forma equânime validadas por acervos organizados. Os Cartórios de Registros Civis do país se prestam a tal fim. Atualmente são interligados a vários órgãos: INSS, a Receita Federal, Tribunais, dentre outros. Aliás, toda a atividade cartorária tem essa interligação, além da responsabilidade por arrecadar tributos e fundos para repassá-los ao Estado. O percentual de cartórios que devem tributos ao Estado é aproximado a zero. A propósito, para gerar riquezas, os governos dos países precisam saber onde se encontram e quais são os proprietários dos bens. Incumbe ao Registro de Imóveis publicitar à sociedade proprietários dos imóveis. Quem não registra não é dono. Figura-se como mero posseiro. Só que a história narra que nos conflitos possessórios prevalece a lei do mais forte. As pessoas se matavam, e ainda o fazem, para tomarem terras umas das outras. A mera posse é geradora de conflitos. Por isso é importante regularizar os bens imóveis. Todos já estudaram, em algum momento na vida, que países inteiros deixaram de existir, em guerras sangrentas, por invasões territoriais. Não existe mais, por exemplo, o Estado Romano, nem a Pérsia, sequer, após a Segunda Guerra Mundial, a Iugoslávia, a Alemanha Oriental e tantos outros. Ocorre que para se regularizar os bens imóveis, há que ingressá-los também no Registro de Imóveis. Cabem às Escrituras esse papel. São elas os documentos que trazem as informações das compras e vendas, dos inventários, das emancipações, das dações e das pessoas que participaram dos negócios. As Escrituras se fazem por meio do Cartório de Tabelionato de Notas. Existe, ainda, o Cartório de Registro de Pessoais Jurídicas, de natureza não empresarial, (RCPJ), o qual serve para informar do surgimento (nascimento) de tal pessoa jurídica. Além deste, existe o Cartório de Registro de Títulos e Documentos (RTD) para o fim de dar publicidade a contrato ou conservar documento importante. Aqui se pode guardar, para conservação, aquelas suas cartas de amor. Como se vê, os Cartórios exercem importante papel de pacificação social. Imagine, por exemplo, trabalhar a vida inteira para comprar uma terra ou a casa própria e alguém mais forte o desapossar? Tal realidade existiu. Entretanto, com a regularização dos bens, o Estado passou a conceder a proteção da titularidade da propriedade, ou da posse legitimada, por meio do seu sistema de Justiça. Em que pese exigirem aperfeiçoamentos assim como os cartórios, o Judiciário é importante instrumento para solucionar conflitos. No passado os conflitos territoriais geravam guerras. Nesse cenário de democracia, cartórios servem para guardar, de forma organizada, as memórias das conquistas, o relato da existência, as recordações dos amores e o desenvolver da vida patrimonial dos sujeitos sociais com paz. São por meio dos cartórios que registram, informam que existiram e se relacionaram, a narrativa das diversas gerações (“baby boomer”, X, Y, Z, alpha). Ajudam a conformar, portanto, espaço histórico para imperar a equanimidade numa sociedade civil plural nos seus saberes e nos seus sentimentos. Ninguém existe para sempre. Se deixou, porém, registradas suas crônicas existirão memórias pelas quais se descobrirão os seus vestígios, os sentimentos e o rituais que moveram sua vida sobre o solo de um país em determinado tempo. Isso de geração em geração. Em 22 de janeiro de 2021
Leily .V. Medeiros Tabeliã do Cartório do 2º Ofício de Notas de São Gabriel da Palha, ES. | ||
TAGS: Cartórios, Documentos, Geração, Memórias |
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