Dados do último censo, realizado em 2010, indicam que 45 crianças da cidade não tem certidão de nascimento; órgão argumenta que legislação impede divulgação dos dados.
O Ministério Público Federal (MPF) em Bauru (SP) ingressou com uma ação civil pública, com pedido de liminar, para que o Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE) forneça as informações necessárias para a identificação de pelo menos 45 crianças que residem na zona urbana da cidade e ainda não possuem registro de nascimento.
A existência de crianças sem certidão de nascimento foi constatada pelo órgão durante a realização do Censo-2010 e acabou divulgada por um jornal local. A notícia embasou a instauração de um inquérito civil pelo Ministério Público Estadual, que solicitou ao IBGE informações que permitissem a localização das residências onde vivem essas crianças.
O IBGE negou o fornecimento das informações solicitadas pelo MP e descumpriu, inclusive, uma ordem da Justiça Estadual para que fornecesse o endereço das crianças. O órgão argumentou que leis federais garantem a confidencialidade das informações pessoais que possibilitam a identificação dos cidadãos.
Entre as leis que amparam a decisão do IBGE está a lei 5.534/68 que, no seu parágrafo único afirma: "As informações prestadas terão caráter sigiloso, serão usadas exclusivamente para fins estatísticos e não poderão ser objeto de certidão, nem, em hipótese alguma, servirão de prova em processo administrativo, fiscal ou judicial, excetuado, apenas, no que resultar de infração a dispositivos dessa lei".
Mesmo estando amparada por leis ainda em vigor, o procurador da República Pedro Antônio de Oliveira Machado considera a postura do IBGE "intolerável". Para ele, sem o registro de nascimento essas crianças encontram-se lesadas em seus direitos fundamentais ao nome, à nacionalidade, à personalidade jurídica e à dignidade.
O procurador condenou a "insistência do IBGE em impedir que o Ministério Público ponha fim à situação de negligência a que estão submetidas essas crianças pelos pais ou responsáveis, seja por conduta dolosa, culposa ou por eventuais dificuldades sociais".
Na liminar, o MPF pede que o chefe da unidade estadual do IBGE em São Paulo, Francisco Garrido Barcia, seja notificado a fornecer à 13ª Promotoria de Justiça da Comarca de Bauru, no prazo de 10 dias, sob pena de multa diária de R$ 1 mil, as informações que permitam a identificação das famílias e endereços das crianças sem registro de nascimento no município de Bauru.
Prevendo a possibilidade de existirem crianças em situação semelhante nas cidades da região, a ação também pede que o IBGE forneça as mesmas informações referentes a todas as cidades que fazem parte da 8ª subseção Judiciária de Bauru (Agudos, Anhembi, Arandu, Arealva, Areiópolis, Avaí, Avaré, Balbinos, Bauru, Bofete, Boracéia, Borebi, Botucatu, Cabrália Paulista, Conchas, Duartina, Iacanga, Itatinga, Lençóis Paulista, Lucianópolis, Macatuba, Pardinho, Paulistânia, Pederneiras, Pirajuí, Piratininga, Pratânia, Presidente Alves, Reginópolis, São Manuel, Ubirajara e Uru).
E, no julgamento do mérito, o MPF pediu à Justiça Federal que reconheça a não recepção dessas leis pela atual constituição ou, então, a sua inconstitucionalidade, sempre que elas imponham sigilo às informações de recenseamento governamental sobre crianças e adolescentes, quando se tratar de requisições do Ministério Público e do Poder Judiciário.
"Os valores insculpidos na atual constituição tem a força necessária para relativizar o sigilo previsto nos comandos legais apontados pelo IBGE, de modo a afastar a cláusula normativa de confidencialidade, diante de valores maiores, nos exatos limites em que impedem a concretização de direitos e garantias elevados à categoria de direitos fundamentais", argumenta a ação.
ACP nº 0005687-25.2012.4.03.6108 – 1ª Vara Federal de Bauru
Fonte: Assessoria de Imprensa – ARPEN-SP